
Em 2007, quando começamos a desenvolver oficinas textuais com mulheres em situação de prisão, nossa intenção era realizar um concurso literário entre detentas das três prisões femininas do Estado do Rio de Janeiro: Joaquim Ferreira de Souza, Nelson Hungria e Talavera Bruce.
Na Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza, solicitamos que elas escrevessem ao menos cinco linhas sobre suas vidas. O resultado foi que recebemos extensos manuscritos, não apenas de cinco linhas, mas com páginas, revelando experiências traumáticas e narrativas chocantes, sobretudo em relação à infância.
Algumas mulheres que ainda não estavam suficientemente alfabetizadas ditaram seus textos para outras escreverem.
Depois que conseguiram escrever sobre suas histórias pessoais, aquelas mulheres começaram a mudar. Tornaram-se mais alegres, mais participativas nas atividades de educação, outras vieram e pediram para que fizéssemos mais reuniões para discutirmos diversos temas.
Chegávamos a fazer de três a quatro reuniões por dia, com média de 10 a 15 pessoas, algumas participando de diversos grupos.
Ao elaborarem as experiências traumáticas através da escrita elas criaram, em 2007, uma ordem coesa em suas narrativas, que recobriu o evento traumático. E talvez por isso tenha sido possível observar tão claramente as mudanças em seus comportamentos.
Outras mulheres pediram para produzirem artesanatos em nossa sala, pois, já haviam aprendido no Talavera Bruce e se dispuseram a ensinar as outras. E ensinaram! Esse alcançou cerca de 20 mulheres na produção.
A educação horizontal e transversal que adotamos se referem a esses pontos: o conhecimento que é adquirido, experienciado e compartilhado entre elas. As educandas foram também educadoras. Na medida em que o conhecimento pôde ser compartilhado, as experiências que algumas já conheciam contribuíram para as experiências que outros ainda poderiam viver.
Assim, essas mulheres que capacitaram umas às outras em artesanato e costura também educaram. Analisamos que algumas daquelas novas artesãs produziam peças perfeitas, em pouco tempo. Essas tiveram um “despertar” para mais uma habilidade.
Enquanto teciam, produziam bonecas, bolsas, chinelos e camisetas falavam sobre suas vidas, memórias entrecortadas de fatos bons e ruins, e nós tentávamos dar-lhes suporte.
E o movimento como um todo foi transversal, pois, a troca de papéis entre educador e educando, o atravessamento das pessoas envolvidas, inclusive em suas subjetividades nos permitiu vivenciar naquele espaço de tensões disciplinares uma nova forma de “cuidar” em grupo de pessoas confinadas, a partir da educação, e nos permite hoje avaliar a proposta transdisciplinar e transversal que continuamos adotando no Instituto Amendoeiras.
A falta de investimentos necessários em tratamento e capacitações para o mercado de trabalho muito tem contribuído para que os apenados recebam a liberdade em condições
que abraça
o singular
Educação
iguais ou piores das que ingressaram, com baixa escolaridade, sem alternativas viáveis de aproveitamento no mercado de trabalho formal e destreinados para a vida social. Pois, com o ingresso no sistema penitenciário sofreram o afastamento familiar, perderam diversos laços sociais, além de serem afastados de seus objetos pessoais, mas, em geral não receberam a contrapartida da instituição para reconstruírem sua vida de forma melhor e honesta.
Então, motivar a pessoa em situação de privação de liberdade a fazer atividades de aprendizado diferentes que possam auxiliá-lo a conhecer suas habilidades e dentre elas identificar as que tem prazer pode contribuir para duas questões: para que escolha o ofício a que irá se dedicar quando sair da prisão e para que esse prazer a auxilie a superar os traumas que colaboram para o uso de drogas, a prática de violências e o ato criminoso.
E é esse olhar que nos estimula cada vez mais a construir com outros parceiros, instituições e pessoas interessadas e sensíveis a inserção de pessoas na sociedade.